Ilustração de livros raros portugueses do século XVIII

O Século XVIII na Literatura Portuguesa

O século XVIII representa um período fascinante e transformador na literatura portuguesa. Conhecido como o "Século das Luzes" ou Iluminismo, este foi um momento de profundas mudanças intelectuais e culturais em Portugal, apesar do atraso relativo em comparação com outros países europeus devido à forte presença da Inquisição e do absolutismo real.

Para os colecionadores e estudiosos de livros raros, as obras portuguesas setecentistas possuem valor inestimável não apenas pelo seu conteúdo literário e histórico, mas também pelas características materiais que as tornam objetos de desejo: encadernações artesanais, gravuras em metal, papel de trapo de alta qualidade e tipografia meticulosa.

Contexto Histórico e Cultural

Para compreender plenamente o valor das raridades literárias do século XVIII português, é essencial conhecer o contexto em que foram produzidas:

Reinados e Transformações Políticas

O século foi marcado pelo longo reinado de D. João V (1706-1750), período de opulência derivada do ouro brasileiro, seguido por D. José I (1750-1777) e o influente marquês de Pombal, e finalmente pelo reinado de D. Maria I (1777-1816), quando ocorreu a chamada "Viradeira", que representou um retorno parcial ao conservadorismo.

Cada um destes períodos teve características distintas que influenciaram diretamente a produção literária e livreira da época:

Censura e Produção Editorial

A produção livreira portuguesa do século XVIII esteve condicionada por um rigoroso sistema de censura tríplice:

Em 1768, sob a administração pombalina, estas três instâncias foram unificadas na Real Mesa Censória, posteriormente denominada Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, o que não significou uma liberalização, mas sim uma centralização do controle.

Esta censura intensa explica a raridade de muitas obras do período, algumas das quais foram impressas clandestinamente ou no estrangeiro, tornando-as especialmente valiosas para colecionadores contemporâneos.

Obras Emblemáticas e Sua Raridade

Obras Neoclássicas e Arcádicas

A criação da Arcádia Lusitana (1756-1774) marcou um momento decisivo para a literatura portuguesa setecentista, introduzindo o Neoclassicismo. Algumas das obras mais significativas e raras deste período incluem:

"Obras Poéticas" de Pedro António Correia Garção (1778)

Publicada postumamente, esta primeira edição é extremamente rara e valorizada. Garção, um dos principais árcades, faleceu na prisão durante o período pombalino, e sua obra só pôde ser publicada após mudanças políticas. Exemplares completos e em bom estado de conservação raramente aparecem no mercado.

"O Uraguai" de Basílio da Gama (1769)

Esta epopeia, considerada uma das primeiras manifestações nativistas da literatura brasileira (então parte do império português), é uma raridade bibliográfica. A primeira edição, impressa em Lisboa, contém gravuras de grande valor artístico e histórico. A obra celebra a campanha luso-espanhola contra as missões jesuíticas no sul do Brasil, refletindo a política pombalina anti-jesuítica.

"Obras Poéticas" de Domingos dos Reis Quita (1781)

Esta edição, reunindo a obra do poeta árcade, é particularmente valorizada quando inclui o retrato gravado do autor, frequentemente ausente nos exemplares sobreviventes. Quita, de origem humilde (era cabeleireiro), representa o ideal meritocrático do Iluminismo.

Obras Científicas e Filosóficas

O século XVIII assistiu a uma renovação do pensamento científico em Portugal, ainda que sob restrições:

"Recreação Filosófica" de Teodoro de Almeida (1751-1800)

Esta obra monumental, composta por 10 volumes publicados ao longo de quase 50 anos, é um exemplo notável de divulgação científica em língua portuguesa. Encontrar a coleção completa, em bom estado e com todas as ilustrações técnicas intactas, é extremamente difícil, o que a torna uma das mais valiosas raridades científicas portuguesas do período.

"Verdadeiro Método de Estudar" de Luís António Verney (1746)

Originalmente publicada em Nápoles para evitar a censura portuguesa, esta obra revolucionária propôs reformas educacionais que influenciaram posteriormente as políticas pombalinas. A primeira edição, em dois volumes, é extremamente rara e disputada por colecionadores, especialmente quando conserva a folha de rosto original sem alterações ou censuras.

Literatura de Viagens e Testemunhos Históricos

"Relation historique de la découverte de l'isle de Madère" de Francisco Alcoforado (1772)

Esta rara edição francesa do relato da descoberta da Madeira é particularmente valiosa por conter informações que foram censuradas em Portugal. Exemplares deste livro raramente aparecem em leilões, e quando o fazem, alcançam valores significativos.

"Historia Tragico-Maritima" compilada por Bernardo Gomes de Brito (1735-1736)

Esta compilação de relatos de naufrágios das naus portuguesas é um tesouro bibliográfico. Os dois volumes originais, publicados em Lisboa pela Oficina da Congregação do Oratório, são extremamente raros quando encontrados completos, com todas as páginas e em bom estado de conservação.

"Os livros do século XVIII português são testemunhos não apenas do texto que contêm, mas da própria evolução da sociedade portuguesa num período de transformações. Cada encadernação, cada marca de propriedade, cada carimbo de censor conta uma história paralela à narrativa impressa." — Francisco Manuel de Melo, Bibliófilo e Historiador

Características Físicas e Identificação de Edições Raras

Elementos Materiais Distintivos

Ao avaliar raridades bibliográficas setecentistas portuguesas, é fundamental atentar para características físicas específicas:

Papel

Os livros deste período utilizavam predominantemente papel de trapo, fabricado artesanalmente e de alta qualidade. Este papel caracteriza-se por:

Tipografia

As fontes tipográficas mais utilizadas eram:

Encadernações

As encadernações originais do século XVIII português geralmente apresentam:

Ilustrações

As obras mais valiosas frequentemente contêm:

Identificação de Primeiras Edições e Raridades

Para identificar corretamente edições raras do século XVIII português, é necessário conhecer:

Preliminares de Impressão

Observar atentamente:

Marcas de Impressores

As principais oficinas tipográficas portuguesas do período, como a Régia Oficina Tipográfica (fundada em 1768) ou a Oficina de António Rodrigues Galhardo, utilizavam marcas distintivas que ajudam na autenticação e datação de exemplares.

Conclusão: O Valor Cultural e de Mercado

As raridades bibliográficas portuguesas do século XVIII representam não apenas investimentos financeiros para colecionadores, mas principalmente tesouros culturais que documentam um período fundamental de transição da sociedade lusitana.

A valorização destas obras no mercado de livros raros tem crescido significativamente nas últimas décadas, com exemplares excepcionais atingindo valores notáveis em leilões internacionais, especialmente aqueles relacionados a temas coloniais, científicos ou com procedências ilustres.

No Zimnyaya-Pshyonka Clube de Assinatura de Livros Raros, selecionamos cuidadosamente obras representativas deste período fascinante, apresentando-as aos nossos membros com detalhada contextualização histórica e análise bibliográfica, permitindo não apenas a fruição estética e intelectual destas raridades, mas também uma compreensão profunda de seu significado histórico e cultural.

Maria Carvalho é historiadora especializada em história do livro e da leitura, com doutoramento pela Universidade de Coimbra e diversas publicações sobre a cultura impressa portuguesa dos séculos XVII e XVIII.